quinta-feira, 6 de março de 2008

Entrevista: Gabriel Tannus - Presidente da Interfarma

Responsável pela representação de 29 indústrias internacionais com presença no Brasil, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) acredita que cada empresa tem a responsabilidade e o compromisso de investir constantemente - ainda que a custos elevados e com alto risco - em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos inovadores, com profissionais cada vez mais qualificados para que possam crescer. Para isso, as empresas buscam um retorno justo e adequado para o capital empregado, que só é possível com a proteção legal proporcionada pela lei de patentes, já que o respeito à propriedade intelectual é um direito reconhecido universalmente.Em entrevista à InvestNews, o presidente da Interfarma, Gabriel Tannus, fala dos obstáculos enfrentados pela indústria farmacêutica, dos novos desafios para 2008 e da aposta do setor na criação de medicamentos inovadores por meio da biotecnologia como alternativa de encurtar o caminho na obtenção do retorno de capital investido para reaplicação em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.Partidário do controle e fiscalização dos medicamentos, Tannus acredita que o órgão regulador está aí para proteger a saúde pública, mas alerta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu muito o leque e perdeu o foco. O governo, em sua opinião, deveria empenhar-se ainda em fazer um rastreamento de matéria-prima para garantir a qualidade dos produtos no País, uma vez que o nível de exigência das próprias indústrias é mais alto, a cada dia.
INVESTNEWS - Como estão os investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) no País? Quais as dificuldades e o que há de novo?
Gabriel Tannus - Os investimentos em pesquisa clínica foram afetados significativamente no ano passado e um dos motivos foi o excesso de tempo para aprovação dos protocolos exigidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo vários associados, muitos estudos foram redirecionados para outros países, principalmente, na América Latina em países como Argentina, México e Colômbia. Um dos pontos negativos que também afetou a indústria farmacêutica em 2007, não só do ponto de vista da imagem do País lá fora como também na visão conceitual, foi o fato de a indústria de inovação ter sido surpreendida pela licença compulsória do anti-retroviral Stocrin (Efavirenz), medicamento utilizado no tratamento da Aids. O licenciamento foi concedido "para fins de uso público não-comercial", no âmbito do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (DST/Aids). Esse episódio provocou desconforto e desconfiança no setor farmacêutico local e internacional.Desta forma, as empresas inovadoras preferiram optar pela cautela, mas, mesmo assim, algumas continuaram a sinalizar medidas positivas para os negócios no Brasil com construção de fábricas, investimentos e planos de expansão. No entanto, é impossível mensurar quantas companhias desistiram de investir.
INVESTNEWS - A expansão do mercado de medicamentos genéricos no País e das farmácias de manipulação desmotivaram as empresas a investir. Poderia comentar o assunto?
Gabriel Tannus - O cenário é adverso para as indústrias farmacêuticas no Brasil, tanto pela concorrência dos genéricos e das farmácias de manipulação como pelo cenário de negócios. Isso tem levado as fabricantes de medicamentos de pesquisa a reduzir os investimentos em imobilizado no Brasil. Segundo dados da Interfarma, o aporte de suas associadas, que em 2002 ultrapassou a marca de R$ 550 milhões, ficou abaixo de R$ 250 milhões no ano passado.A atual queda no volume de investimentos começou em 2003, quando o Governo Federal começou o controle sobre os reajustes de medicamentos e, a partir daí, o aumento autorizado para os preços continuou em queda, acompanhando o movimento da inflação brasileira.A participação de medicamentos novos no total vendido pela indústria farmacêutica também apresentou queda nos últimos cinco anos. Em 2003, estava perto de 7%, mas caiu para 2,5% em 2006, fechando 2007 em 2,8%. A ampliação do tempo de aprovação de produtos pela Anvisa contribuiu para isso.Mas ao mesmo tempo em que as indústrias de pesquisa enfrentam a concorrência dos genéricos e das farmácias de manipulação, o avanço do genérico no Brasil só não deslanchou mais por causa das farmácias de manipulação. Elas devem vender mais do que os fabricantes de genéricos. Aliás, alguns desses estabelecimentos possuem até estruturas semelhantes às de uma indústria. Por isso, a entidade defende uma maior adequação das farmácias de manipulação às regras do setor, impostas pela Anvisa.
INVESTNEWS - A Anvisa está desempenhando bem o seu papel? Em que está falhando?
Gabriel Tannus - O órgão regulador está aí para proteger a saúde pública. Somos partidários do controle, mas pode-se dizer que a agência abriu muito o leque e perdeu o foco regulador. O governo deveria fazer um rastreamento da matéria-prima para manter a qualidade dos medicamentos. Muitos fabricantes mudam de fornecedor e não há como saber se a matéria-prima tem a mesma qualidade da usada no teste aprovado pela Anvisa. Os grandes laboratórios se preocupam em manter a qualidade e eficiência de seus produtos e são cada vez mais exigentes com isso. Afinal, é a marca e a credibilidade da companhia que está em jogo. Há, no entanto, fornecedores e laboratórios que compram por preço e, muitas vezes, as matérias-primas são inadequadas. Isso deveria ser controlado pelo órgão mais de perto.
INVESTNEWS - O medicamento biotecnológico é um terceiro ciclo na indústria farmacêutica? É uma saída para as fabricantes de medicamentos ou um drible ao genérico? Quais os benefícios que pode trazer às indústrias e aos consumidores?
Gabriel Tannus - A biotecnologia é muito mais antiga do que se pensa. Vem do tempo das vacinas que são produtos biológicos. Com certeza, o medicamento biotecnológico só trará benefícios ao consumidor que terá à sua disposição drogas sofisticadas, sintetizadas pela manipulação genética de células para tratamento de doenças complexas e raras. Para as indústrias, é um novo caminho, quiçá mais curto, para o lançamento de produtos inovadores no mercado. A indústria farmacêutica precisa da inovação para sobreviver, não pode viver só de cópias. A biotecnologia é uma alternativa, nem por isso mais barata, para o desenvolvimento de pesquisas na descoberta de medicamentos inovadores. A indústria farmacêutica trabalha uma forma de reduzir o tempo entre o início da pesquisa e desenvolvimento e sua aprovação de modo a ampliar o retorno investido para, depois, reinvestir. Atualmente, a patente de um novo medicamento expira em 20 anos. E, desde a fase inicial - que começa na idéia -, pesquisa e desenvolvimento, a companhia leva de 10 a 12 anos até a comercialização do medicamento. Ou seja, a indústria pode usufruir do seu invento apenas nos últimos anos oito anos ou até menos, enquanto na invenção de um produto eletrônico, por exemplo, o retorno é quase imediato.Quanto à concorrência entre o medicamento biotecnológico e o genérico, pode-se dizer que não há. O medicamento biotecnológico se destina a pacientes com doenças complexas e raras e o processo é muito complexo. Não existe teste de bioequivalência e biodiversidade para o produto biológico, portanto, é muito difícil fazer cópia. Se alguém quiser copiar um medicamento biotecnológico precisa repetir todas as etapas da pesquisa até desenvolver o produto. Isso é muito caro. Por isso, o medicamento biotecnológico é um incentivo à indústria de inovação.
INVESTNEWS - Isso explica o interesse das multinacionais especializadas nesse tipo de produto começar a se instalarem no Brasil?
Gabriel Tannus - Todos os grandes laboratórios, como as americanas Biogen e Genzyme , entre outros, já têm áreas específicas para desenvolvimento desse tipo de produto. É uma tendência. A indústria farmacêutica precisa de inovação para sobreviver e o Brasil tem potencial para isso.
INVESTNEWS - Como vê a atuação do governo no mercado de medicamentos? Quais os pontos críticos?
Gabriel Tannus - A correção de preços dos medicamentos, concedida anualmente pelo Governo Federal, deverá ser, este ano, a menor da história. Segundo estimativas da Interfarma, o reajuste autorizado deverá ficar entre 1,2% e 1,3%.O reajuste obedece a uma fórmula que acredito ser injusta, e o controle sobre preços é um dos fatores que desestimulam o investimento das empresas no Brasil. Sua adoção se justificaria em um setor onde há um monopólio, o que não é o caso da indústria farmacêutica brasileira.O percentual do aumento autorizado é calculado com base em uma fórmula que considera a inflação do período anterior e a produtividade da indústria farmacêutica, além de itens calculados a partir de preços relativos ao setor. No ano passado, o reajuste médio autorizado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) foi de 1,5%, para uma inflação oficial (IPCA) de 3,1%.As indústrias que atuam com pesquisa, reunidas na Interfarma, pedem também que o Ministério da Saúde deixe claro os critérios adotados no processo de incorporação de medicamentos à lista de produtos de alta complexidade adquiridos pelo governo. Nos últimos quatro anos, apenas quatro produtos foram incluídos nessa lista. É importante que o governo seja claro nos critérios que serão adotados para que as empresas possam demonstrar se os medicamentos apresentam avanços em relação aos concorrentes.A Interfarma ainda critica as altas taxas de juros do País e a demora para que uma empresa possa iniciar pesquisas e obter aprovação para a comercialização de um produto. No Brasil, leva-se 24 semanas para aprovar um protocolo de pesquisas, enquanto no Exterior esse prazo é de 10 semanas em média.
INVESTNEWS - Quais são as perspectivas para 2008?
Gabriel Tannus - O crescimento do PIB, o aumento de renda e nível de emprego, bem como o controle de inflação a níveis inferiores a 5%, devem continuar influenciando o desenvolvimento do mercado farmacêutico brasileiro este ano.O aumento do orçamento do Ministério da Saúde assim como a aprovação, no ano passado, da Emenda Constitucional 29 (que fixa os percentuais mínimos a serem investidos anualmente em Saúde pela União, por estados e municípios) devem trazer recursos para melhorar os investimentos na área de saúde e, conseqüentemente, no acesso da população a medicamentos. Mesmo considerando a recente derrota em relação à CPMF, a conscientização da população deverá pressionar a opinião pública na obtenção de mais recursos para a Saúde.
INVESTNEWS - As compras de medicamentos e matérias-primas por licitação contêm produtos de referência e genéricos ou o governo compra só pelo menor preço?
Gabriel Tannus - A compra por licitação visa menor preço. Desta forma, o fabricante que oferecer a melhor oferta ganha a concorrência. Há medicamentos de marca (referência), similares, genéricos e medicamentos genéricos de laboratórios governamentais. Mas a minha grande dúvida e pergunta é: Por que não consta da lista da Anvisa nenhum registro de genérico de laboratório governamental?(Gazeta Mercantil.com.br - Silvana Orsini)

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